“A adversidade é a pedra de amolar da oração e da fé” (Edward Marbury)
“No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra / Nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas retinas tão fatigadas / Nunca me esquecerei que no meio do caminho / tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / no meio do caminho tinha uma pedra”.
Àqueles que não estão acostumados à leitura da poesia modernista, o texto em epígrafe pode ser tomado como um amontoado de palavras repetitivas, que apresenta inversões redundantes, escritas por um autor de pouca imaginação.
O que acabamos de ler é o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond, versos cujo teor causou inquietação na crítica literária brasileira, quando foi publicado na revista Antopofagia, em 1928. Não pretendemos discutir as razões que alimentaram a polêmica, pois este espaço não se destina a isso. Contudo, tomamos o poema para trazer à memória um fato bíblico singular.
Davi Arrigucci Jr., crítico literário, infere sobre o poema que “no meio do caminho o que se encontra é o sentimento tortuoso da fraqueza e da falta de jeito, a sensação de não poder fazer nada frente ao sem-fim da dificuldade”.
Também “tinha uma pedra” que aparentemente obstava o mais admirável evento do cristianismo. As Escrituras afirmam que, após a morte de Jesus, o senador José de Arimatéia solicitou o corpo de Cristo ao prefeito da Judéia, Pôncio Pilatos, a fim de, com o rabino Nicodemus, preparar e sepultar o corpo de Jesus em um túmulo novo, próximo dos arredores do Calvário (Jo 19.38-42).
O sepultamento ocorreu às pressas, na véspera do sábado pascal, sem entes queridos, carpideiras, ou cerimônias. Os evangelistas nos dão testemunho de um grupo de mulheres que intentaram visitar o sepulcro no despontar do sol dominical. Não se tratava de uma visita a um túmulo para faxiná-lo ou depositar flores. Maria Madalena, Maria (mãe de Tiago) e Salomé compraram aromas para embalsamar o corpo de Jesus (Mc 16.1).
No trajeto, entretanto, diziam umas as outras: “Quem removerá a pedra da entrada do túmulo?” (Mc 16.3). “Tinha uma pedra no meio do caminho” delas. Na verdade, eram duas pedras, uma palpável, literal, e outra abstrata, simbólica.
A pedra simbólica é constituída pela incredulidade, algo que jamais poderia ser “detonado” por dinamites convencionais. Contra esse tipo de “pedra”, somente uma fé “explosiva” seria eficaz. Esta é a grande lição que aquelas mulheres nos ensinam. Elas trilharam o caminho até o fim, mesmo sabendo que encontrariam à frente uma pedra, agora a literal, que jamais cederia aos esforços delas, por maiores que fossem. Segundo explica a arqueóloga Kathryn Kenyon, a rocha da tumba pesava entre 5 e 6 toneladas!
Percebamos que as fiéis discípulas consideraram a existência do obstáculo inamovível, mas não retrocederam. Não fizeram de conta que a pedra não existia ou que não estaria no local. A preocupação delas era sobre qual seria a providência para que levassem a termo o seu intento. Se não cressem na intervenção de alguém, seria injustificável prosseguir caminhando.
Em nossa jornada cristã, algumas vezes, também precisamos do auxílio de pessoas para que possamos cumprir a nossa tarefa. Se há pedras no meio do nosso caminho, o próprio Deus se incumbe de providenciar aqueles que poderíamos chamar de “os removedores de pedras” para nos ajudar.
Não nos cabe questionar quem serão eles; se crentes ou descrentes, anjos ou humanos. Não nos cabe discutir qual será o método empregado; se uma alavanca ou uma bomba. Não nos cabe especular sobre o peso da pedra. Cabe-nos somente seguir a lição daquelas mulheres: precisamos remover a pedra da hesitação, da falta de fé, e ir ao encontro de Jesus.
Ao chegarem no sepulcro, as mulheres se deram conta de que a pedra que estava “no meio do caminho” delas já havia sido revolvida. Elas tiveram a honra de serem as primeiras testemunhas do acontecimento mais importante da história da humanidade. “Jesus ressurgiu; não está mais aqui”, disse o moço vestido de alvo manto (Mc 16.4-6).
O fato é que pedra alguma poderia deter a ressurreição de Jesus. Se considerarmos as novas condições do corpo glorificado da ressurreição, Jesus sequer precisaria da remoção da pedra. Tanto é que, nos dias em que esteve ressurrecto, antes de sua ascensão, entrou no cenáculo, onde estavam onze de seus discípulos, mantendo-se as portas fechadas (Jo 20.19,20).
Mas se é assim, por que foi necessário o deslocamento da pedra? Simples. Para que os homens cressem. É o que o anjo diz às mulheres: “Vede o lugar [vazio] onde o tinham posto” (Mc 16.6). Portanto, a solução para a “pedra no meio do caminho” é a fé. Oremos a Deus: “Senhor, é provável que ‘na vida das minhas retinas’ eu veja ainda muitas pedras, mas dá-me força para prosseguir, pois estou certo de que o Senhor ainda remove pedras, e sei que quanto mais pesadas elas forem, mais notável será o testemunho do seu poder, Senhor”.
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